quarta-feira, 4 de abril de 2007

O que há em mim é sobretudo cansaço


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas.

Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço...
Álvaro de Campos

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom, este heterónimo do Pessoa.

Já leste "A Tabacaria"? Pode não ser de compreensão tão imediata como este "desabafo" do cansaço e da desistência da vida mas, quanto a mim, é mais profundo. Encontrei o link na net: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v259.txt

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